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quarta-feira, 19 de março de 2014

Soneto

Você é meu não-comer
E minha fome
Você é meu descrever
Sem nenhum nome

O possível mais distante
O acerto mais errante
Meu porto e meu cais
Um até logo e nunca mais

Assombra e inspira
É castelo e é pó
Conserva e expira

Se desata em nó
É verdade e é mentira
É fim e é só

terça-feira, 4 de março de 2014

Sobre iogurtes e amores vencidos

Eu sempre soube que nunca seria aquele que deixaria de amar primeiro. Também sempre tive dentro de mim a certeza do término. Nosso amor era aquele iogurte com a data de validade meio raspada, que a gente não consegue ler. Mas ia vencer, disso eu tinha certeza.

Nossos sonhos nunca se encontravam e eu pensava que era justamente ali, num ponto de choque - não de encontro - que o término morava. Mas eu estava terrivelmente enganado… O problema não estava no futuro, mas no passado.

Varrer a poeira pra debaixo da cama é muito efetivo, se você não tem um ventilador velho que espalhe e exponha toda a sujeira que você tentou esconder. Não desligue o ventilador velho, você vai sentir calor. Para toda a poeira é preciso um aspirador. Mas resolvemos, preguiçosos que somos, não varrer bem a nossa casa…

Eu sempre tive medo do Rio de Janeiro. Quando pequeno, morria de medo de bala perdida. Quando adulto, tive medo de menina perdida. Sim, minha menina perdida. Que de tanto se perder nos encantos daquela cidade, acabou encontrando mais um sonho que não sonhei. Reencontrando. Respirando a poeira que não fui capaz de aspirar…

Com a mesma sede de quem toma um iogurte sem saber se está vencido, eu bebi desse amor perecível. Provei do sabor e prazer passageiro, sem medir os efeitos que a data de validade me traria. E, tal comida vencida, esse amor me trouxe dores no estômago. Não frio na barriga, que isso é coisa de borboletas. Mas a certeza de um golpe.

Cheguei até a fazer uma endoscopia, mas a medicina ainda não evoluiu o suficiente a ponto de detectar um cagaço. Se ao menos existisse um remédio para isso…


O seu amor, comida vencida que é, me fez o gordo mais feliz do mundo. Agora é preciso digeri-lo. Ainda busco remédio.

domingo, 27 de outubro de 2013

Clima Estranho

Que bom!
O Clima Estranho foi embora!
Já estava na hora!
Ou melhor,
Já tinha passado do horário
Até pus a vassoura ao contrário!
Quem foi que deixou ele entrar?
Existe entrada à francesa?
Quando vi, ele já estava cá na mesa
Atrapalhando nosso jantar
Atravessou os nossos beijos
E embaralhou nossas palavras
Quando tudo devia ser justamente o contrário:
Beijos que embaralham
E palavras que atravessam
Até na nossa cama ele foi deitar!
Se mexeu tanto, que fui parar no sofá
O Clima Estranho pegou no nosso pé
Amargou nosso café
Deixou nossas línguas escuras
E nossas palavras duras
Mas que bom que o Clima Estranho é distraído!
Um descuido seu,
Seu plano perdido:
O meu olhar te cumprimenta
E o Clima Estranho se lamenta
De não poder fazer mais nada
Não há quem possa com uma pessoa apaixonada!
Então tudo volta ao normal
E o Clima Estranho vai-se embora
Vai encher outro casal

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Tudo bem atravessado

Tudo começou com um “tudo bem” atravessado
Que é muito pior que um “tudo péssimo” declarado
Eu só queria dizer que te amava,
Mas deu errado
Onde ativa a função
De entonação do teclado?

sábado, 19 de outubro de 2013

Quase

Só há uma coisa pior
Que ter de levantar cedo da cama
Num dia frio:
É ter que te dar meio abraço
Meio beijo
Meia noite
Meio amor
Meio triste demais
Há sempre um meio
Há sempre algo no meio
Ai, esse destino preguiçoso!
Que deixou nossa história por escrever
Que tirou a glória de ser único do ponto final
Transformando-o em três
Quantos gerúndios hei de juntar
Para conseguir um particípio?
E quantas lágrimas hei de derramar
Para, quicá,
Alcançar um futuro?
Um futuro mais que perfeito
Um tempo que não existe
Mas nos toca o imperativo
Negativo
Com o dedo em riste
Dos advérbios,
Os de intensidade
De beijos
E saudades
Os de negação
Para desilusão
E uma palavra denotativa
Que mal advérbio é
Aquela que pega no nosso pé
Mais poderosa que um não
Mais misteriosa que um talvez:
Quase
Quase nossa vez

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Quer saber?

Quer saber?
Eu gosto SIM de você
Semana passada eu disse
Que era cedo demais pra dizer
Mas ai de mim!
É igualmente cedo
Pra dizer que já não penso assim
Quem seria louco de deter
Os impulsos de beijos
Que tardaram tanto pra acontecer?
Durante muito tempo busquei explicação
Mas o sentido disso tudo
É como o "X" de uma equação
Ou seja:
Nada que uma letrista veja
Mas eu não quero nada além
Que seus olhos de café
Nos meus de mel
Eu só quero você, meu bem
"QUEM É ESSAZINHA NO SEU CEL?"

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Consciência de minhas pernas

Que é que a chuva lava além da sujeira da janela? Dizem que lava a alma, mas não sei se me fio...

Que é que a lágrima lava além de sujeira de remela? Lava o rosto da moça que chora um rio.

Eu queria poder sentir tudo isso. A chuva e a lágrima. Mas meu coração é como meu cabelo rizado que não deixa o choro do céu penetrar minha cabeça...

Queria ter consciência deste momento como tive consciência de minhas pernas. Sim, de minhas pernas. Programei-me para andar até o trabalho todos os dias. Fiz que não ouvi o cansaço e a anemia. Um dia, porém – olhando para meus sapatos caros, mas quase rotos – tive consciência de minhas pernas. Percebi sua fragilidade e perguntei: “Senhor, que é que me sustenta?”. Nada. Parei de andar e me ajoelhei...

Eu sou o Sísifo que não desceu.

Grita mais alto, amor meu...

Que eu não escuto bem, esqueceu?


Ps: Para o Papa Francisco