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sábado, 4 de agosto de 2012

Amor Traiçoeiro

— Vô, o que é amor?
Seu Antônio abaixa a chave de fenda e para por uns instantes de consertar seu amado rádio velho. Volta-se para a neta, e inclina o queixo para baixo, mirando-a com os olhos por cima dos óculos, como se duvidasse da eficácia das lentes e as culpasse por aquela cena desconfortável.
– Como assim, minha querida? - perguntou, com a testa franzida, como se não tivesse ouvido, na esperança de ter mais tempo para pensar numa resposta adequada.
— Eu sei que o senhor ouviu! Só a minha avó acredita na sua surdez.
— Não se trata de não escutar, meu anjo, mas de não entender. Seja mais específica...
— Eu não posso ser mais específica se não sei o que é amor... Quero apenas um conceito.
— Bem... O amor é... Ora! O amor não se explica! O amor se sente, bem lá no fundo do nosso coração - disse, encostando a ponta da chave de fenda no peito esquerdo de sua neta.
— Mas o que exatamente se sente? Dói?
— Bem, isso depende de quem se ama, de como se ama... Por que a pergunta, querida?
— Nada, só queria saber os sintomas.
— Sintomas?
O velho deu uma gargalhada gostosa que acabou por desencadear uma crise de tosse. Foi obrigado a tirar os óculos para enxugar uma lágrima que caiu da força que usou para rir. Balançando a cabeça e ainda rindo um pouco, limpou as lentes na ponta de sua blusa e colocou os óculos de volta, olhando fixamente sua neta.
– Sintomas, meu anjo? E onde já se viu alguém ir ao médico por estar sofrendo de amor?
— O que eu quero dizer é que... Bem, quero saber o que se sente quando se ama, para que, um dia, se isso acontecer, eu não seja pega de surpresa.
— Mas se essa é a graça do amor! Ele pega a gente totalmente desprevenido! Ele é injusto, é traiçoeiro, é astuto! Não se pode prever não! Você está lá, tranquilo, e ele vem e pimba! Derruba e você nem percebe.
— Não se eu já estiver preparada.
— Minha querida, ninguém se prepara para o amor. Ouça seu avô... Um dia ele vai chegar e você vai entender o que estou dizendo.
A jovem desiste de argumentar e finge que acredita no que acabou de ouvir. O avô volta a mexer no velho rádio e finalmente consegue consertá-lo. Procura uma estação e, como se o destino o presenteasse, começa a tocar uma canção de seus tempos de jovem.
– Ah! Isso sim é que é música! Que voz, que mulher!
Retira sua boina, se curva e pega a mão de sua neta, tirando-a para dançar.
– Você pergunta o que é amor? Isso é amor!
— Isso o que? O que ela diz na música?
— O que ela diz na música não importa. Quando você conseguir ouvir essa música com o coração, não somente com os ouvidos, você vai saber o que é amor.
— É velha...
— É clássica, meu anjo. Clássica!
— Então o amor é isso?
— Não desdenhe, querida, não desdenhe.
E a melodia guiou os passos do senhor romântico e da jovem descrente. Por dois minutos apenas. Tempo de o rádio parar de funcionar novamente e arrancar gritos de Seu Antônio e risos de Joana.
— Realmente, vovô... O amor é traiçoeiro.


Um comentário:

  1. que lindo, amada!!!!!
    Eu amo estar amando, amo sentir todas aquelas sensações gostosa! Ele pode sim ser traiçoeiro, mas o que não se deve é perder a beleza do que é amar...

    Beijocassss!

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